As lâmpadas vivas
I.
São sem número, de varia beleza, de luz diversa, mas todas
chamadas e postas lá entre a arcadas do templo, na vizinhança do tabernáculo, a
fazer companhia a Jesus.
Cada alma cristã é chamada a expandir uma luz de fé e de
amor junto da Eucaristia; tenha ela coroa de rosas sobre a fronte ou traga uma
de espinhos sobre o coração, saiba cantar ou não saiba se não chorar, Jesus a
chama a si: e ela vai aonde a chama essa voz toda misteriosa, mas doce de amor.
Quem é esta alma?
É uma donzela de coração puro como o pensamento de um anjo,
de mente serena como a alva do Paraíso.
Ela traz a Jesus o cântico dos seus virginais entusiasmos, o
odor delicado dos seus lírios, o cintilar de seus olhos resplandecentes de inocência
batismal.
Ignara de certas tempestades, com a alma cheia de sorrisos,
ela fala a Jesus com a cândida ingenuidade de uma criança que se lança nos
braços de seu pai, diz-lhe que lhe quer bem, manda-lhe beijos e caricias, e
n’uma linguagem que não tem nada de convencionalismo humano, narra-lhe a
historia intima de mil esperanças, de propósitos arrojados, de temores indefinidos.
. . e depois inclina a cabeça, cobre o rosto com as mãos . . . Talvez chore, mas as suas lágrimas são
lágrimas de felicidade.
É uma virgem consagrada ao senhor, educada já na escola das
mais ásperas imolações, dos mais dolorosos sacrifícios e d’um amor santo e
inebriante, que tem um tique de Golgotha e de Cenáculo ao mesmo tempo.
Depois de ter derramado em volta de si, entre as dores e a
miséria dos infelizes, a luz da paciência, do zelo e da caridade, recolhe-se
aos pés de Jesus a procurar nova luz para amanha a espalhar por entre os bancos
d’uma escola ou pelas enfermarias d’um hospital; e esta lâmpada virginal
alterna os seus esplendores entre Jesus que sofre na casa da desventura e Jesus
que repousa na prisão do amor.
È uma mãe crista que traz aqui as trepidações d’um coração
que adivinha os perigos do futuro, como sente as desilusões do passado, a qual
oferece a Jesus um pranto derramada no silêncio de uma resignação sorridente,
enquanto o exorta a derramar dobre a cabeça e o futuro dos seus filhos um cálice
de bênção e talvez de perdão.
É talvez uma mãe feliz que não sabe onde melhor plantar as
flores da alegria do que á sombra de Jesus pôr a sombra os frutos do seu amor.
É talvez uma mãe desventurada que só junto do tabernáculo
sabe encontrar um conforto á sua alma angustiada e torturada por uma irreligião
blasfema, que lhe reveste de espinhos as paredes domesticas, que lhe asperge de
absinto o pão da mesa familiar e lhe suja talvez ate de lama o tálamo nupcial.
É talvez uma alma dolente, mas de uma dor brotada nas
profundidades de um coração que volta da morte á vida da virtude.
Como é bela esta lâmpada quando arde diante do Sacramento!
Os Anjos da Eucaristia, ao vê-la, suspendem os seus cantos
de glória, para que o canto d’aquela dor vá ecoar no coração com a harmonia
sublime do arrependimento, e d’uma nova redenção.
A prece de uma alma arrependida é muito superior á
intelectualidade e ao sentimento dos homens, e o fazê-la ouvir entre os filhos
da culpa seria o mesmo que profana-la.
O único que lhe compreende toda a beleza e sabe corresponder
á sua grandiosidade, é Jesus.
Os reis da terra poderão suspender das arcadas do templo
lâmpadas de ouro, mas bastará o gemido e a dor de uma alma arrependida para
lhes ofuscar os esplendores.
É uma alma marcada de um caracter indelével: é um sacerdote.
A Hóstia é toda a sua razão de ser, a Hóstia é o brazão da
sua glória, a Hóstia é o vigor do seu apostolado, a Hóstia é a arma pacífica
das suas batalhas, a Hóstia é o pão da sua vida, é a doçura da sua boca, é o anelo
de seu coração; é o ideal, o conforto, o premio da sua fadiga; a Hóstia é o seu
sol, o seu Céu, o seu Deus.
Ele é luz que deve brilhar no meio dos homens, mas bem
depressa se extinguiria a sua lâmpada, se cada dia não avivasse a sua chama com
adoração amorosa da Eucaristia; e ele vai todos os dias junto do seu
tabernáculo adorar o seu Deus com a chama do amor sacerdotal.
Ah! Como seriam esquálidos os templos, se não brilhasse
junto do altar a lâmpada do sacerdote!
É uma alma cansada de peregrinar sobre a terra e que se
sente já perto da morte e da eternidade.
Sobre ela caíra em breve o golpe da morte, e ela enviará o
ultimo raio de luz para o tabernáculo e cairá despedaçada sobre os degraus do
altar.
(…) Entre ela e Jesus desapareceu toda a nevoa da ilusão, e
entre os seus corações é mais livre a corrente d’uma fé que sobe da terra para
o Céu, e d’um amor que desce do Céu para a terra; é a vigília dos eternos esponsais.
(…)
Dentro em breve é uma lâmpada a menos apagada entre as
sombras do mistério, amanhã uma lâmpada a mais entre os fulgores da glória. (…)
O altar de Jesus exige da humanidade lâmpadas, lâmpadas de
virtude, lâmpadas de candor, de sacrifício, de pranto e de esperança imortais;
e a humanidade responde á chamada e manda as suas almas mais belas a
resplandecer por longas horas junto do Sacramento dos mais profundos e sublimes
mistérios. (…)
Ó almas cristas não dissipeis a vossa luz no pó revolto do
mundo, trazei-a entre os silêncios místicos do templo, fazei-a reverberar os
seus raios sobre a portinha humilde do tabernáculo.
É sempre mais bela uma lâmpada ardente junto de Jesus, que
um sol brilhante sobre a vaidade e entre as culpas da terra.
(Retirado do livro: Centelhas Eucarísticas, 1916; 3ª Serie –
1ºEdição, capitulo VIII, pagina 76 e …
Traduzido do italiano pelo Ver. Dr. António José Gomes,
vice-reitor do seminário de S. José de Macau na China)
Nota: Mantive o texto como apresenta no livro com a escrita antiga.
Lâmpadas Vivas é o seguimento do post anterior: A lâmpada (Introdução)
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